Como os nossos filhos vão lidar com isso?
Não podemos mais arcar com o custo de “ainda sermos os mesmos e vivermos como os nossos pais”.
A pergunta é: como os nossos filhos vão lidar com isso?
1 – Precisamos criar abundância coletiva
As mudanças climáticas precisam ser combatidas por uma geração educada de maneira nova. Uma educação mais generosa, sob a ótica da abundância e cooperação. Os soldadinhos do novo mundo – que é como chamo não apenas os filhos do nosso clã como também toda a nossa gangue de afetos e afinidades – precisam ter consciência que essa é uma luta que só funciona de maneira coletiva.
É de grande importância que nossos filhos entendam que qualquer ação só funciona quando envolver e conectar a maior quantidade e diversidade de atores possíveis. No momento de mundo em que estamos, precisamos criar condições para que os nossos filhos criem os futuros protótipos para esse mundo que quer nascer.
Para mim essa educação nova passa muito por ensiná-los a ampliar antes de focar. Ensiná-los a ouvir, acolher e provocar o diferente: há de ser daí que virão as próximas soluções.
Aposto tempo e energia em treinar o olhar deles para que aprendam a ter empatia, cooperar e compartilhar.
2 – Infelizmente ter consciência leva tempo
Conclui, depois de ter 5 filhos, que é preciso certa maturidade e experiência para realizar escolhas conscientes. Crianças e principalmente adolescentes, precisam testar o errado pra escolher o certo. Haja estômago da nossa parte para não atropelar algumas escolhas deles. Tenho dificuldade em ver eles percorrendo caminhos que eu não tenho mais necessidade de testar, mas infelizmente essa experiência não se transfere.
O que podemos fazer, como pais, é estabelecer o patamar inicial deles, ou seja, a referência. Ao mesmo tempo é importante ensiná-los a questionar, inclusive a nós. É melhor ter um filho que defende algo diferente de nós do que um filho que não questiona nada. Ainda que sejamos pais incríveis, o processo de conscientização leva bastante tempo, pra não dizer quase uma vida. Leva muitos anos para que se possa migrar do ego pro eco.
Consciência climática tem difícil tangibilidade na rotina de crianças, e normalmente eles ficam bem longe das consequências. O que mais me angustia é que não entendem o quão urgente é, porque do alto dos nossos privilégios, ainda não perdemos o acesso a nada. Podemos ampliar os horizontes deles através de viagens, estudos do meio feitos por escolas sensíveis, levá-los a museus, mostrar a eles o que vem dando errado nas nossas escolhas como humano, compartilhar os desastres que estão perto, como as últimas chuvas do litoral norte de São Paulo. Acompanhei a infância de muitas crianças e estou segura em afirmar que uma criança generosa será um adolescente/adulto consciente.
A generosidade – discutida no item 1, até por isso que comecei por ela – é a melhor semente que podemos dar para uma criança.
Ela será a ponte para a consciência.
3 – Não podemos ter a visão romântica de que as crianças de hoje vão “salvar o mundo”
Podemos sim, criar condições para que os filhos e netos dos nossos filhos sejam melhores que nós, nossos pais e nossos avós. Reparem que estou falando de 5 gerações, e não de uma, mágica, com a chave do mistério. Não podemos nos desresponsabilizar nesse cenário.
Regenerar é um processo possível, porém muito mais longo e complexo do que gostaríamos e precisa começar em nós.
4 – Projetos para crianças precisam ser feitos em linguagem infantil
Vejo muitos esforços em abordar crianças em “adultês”. Muitos recursos e esforços jogados fora. A criança não se identifica, não se conecta, não aproveita, rejeita qualquer comunicação feita com a ótica adulta.
Todas as ferramentas lúdicas que criei para interagir com crianças – seja o app Lanchinho Legal, o livro gibi “Dexa Eeuuu”, os jogos “Desafio do Prato” ou “O que temos para hoje” – foram feitas apoiadas em profundas pesquisas em formatos e linguagem. Conteúdos incríveis temos de sobra, mas pra criança, com abordagem correta, quase não temos.
Para dar um bom exemplo de formato e abordagem vou usar o Projeto Tamar. As crianças visitam seus centros de pesquisa e resgate e saem dali transformadas, falando coisas como “quero liberar tartarugas, comer ovo tartaruga é feio, tartaruga morre na rede, jogar plástico no mar não pode”. Projetos para crianças precisam ser lúdicos, divertidos e entregar conceitos simples e de fácil assimilação.
É preciso abaixar no nível da criança e estudar o assunto através da ótica dela, para então criar projetos e ferramentas efetivas.
5 – Precisamos dar exemplos com mais ênfase
A nossa maior ação como pais é liderar pelo exemplo, isso todo mundo já
sabe. Mas como elevar a nossa ação, a ponto dela ser um exemplo com maior ênfase?
Eles precisam ver que colocamos o bem coletivo na frente do conforto individual e estamos dispostos a fazer esforços.
Eles precisam olhar o nosso telhado para ver que usamos o sol para gerar energia. Que não tomamos aquele preguiçoso banho longo, nem no frio. Que passamos um pouquinho de calor ou abrimos todas as janelas antes de ligar o ar condicionado.
Que andamos um pouco mais pra comprar de pequenos produtores. Que escolhemos uma fruta mais feia porque é orgânica.
Que velejamos ao invés de andar de jet ski.
Que lembramos de levar sacolas de casa ao invés de pegar as de plástico. Que separamos o lixo, embora dê trabalho.
Que compartilhamos excessos de alimentos que não vamos conseguir consumir. Que doamos o excesso de peixe pescados no pier.
Que usamos nosso tempo de descanso para organizar nossos armários e doar brinquedos e roupas que não precisamos mais.
Outra maneira seria mostrarmos pra ele que temos causas pra defender. Que somos ativistas, impacientes, indignados, transformadores. Que tentamos convencer uma senhora no supermercado a comprar um morango orgânico.
Que tentamos convencer um supermercado a não embalar seus produtos em isopor ou plástico.
Que damos preferência a fornecedores com embalagens retornáveis. Funciona? Talvez não dê pra saber agora. Mas a gente insiste.
O nosso esforço não tem retorno imediato, só veremos resultado quando os nossos filhos se tornarem adultos.
6 – O tom usado para tratar do tema “Mudanças Climáticas” precisa de leveza
Uma das maneiras mais regenerativas de viver, para mim, é preparar a minha própria comida. Economizamos em recursos, em embalagens, compramos do produtor, temos comida saudável, prazer em compartilhar momentos de qualidade à mesa, não damos o nosso dinheiro para o mercado de processados, evitamos poluição e geração de lixo. Isso – modéstia a parte – faço com maestria, e assim é com nossos 5 filhos, que também cozinham ou estão em vias de. Temos, das 21 refeições semanais apenas 2 ou 3 feitas fora de casa ou via delivery. Ainda assim, ainda escuto milhões de críticas.
“Mas como assim você não é vegetariana? Que horror, comer bicho morto!” “Mas por que se você é toda consciente, teve 5 filhos, e fica superpovoando o mundo?”
Pessoal, a abordagem pela culpa não vai nos levar coletivamente a lugar nenhum, muito pelo contrário. Qualquer comentário no tom “professoral” é muito chato. Ninguém quer ouvir, ninguém merece e nos afasta do nosso objetivo maior, que é resolver desafios complexos coletivamente. Eu também não vou te culpar se não quiser cozinhar em casa, e assim precisamos agir.
O que podemos, construtivamente, criar juntos?
Respondendo a pergunta inicial “como os nossos filhos vão lidar com isso?”:
Eles precisam de um olhar generoso, cooperar e compartilhar na infância, enquanto convivem com exemplos com grande ênfase dos pais. Assim, com o tempo terão consciência para fazer parte da solução que criaremos de maneira leve e construtiva, em conjunto. A resposta acima está linda, né? Mas ela passa por como nós vamos lidar com isso. É preciso muito esforço da nossa parte. Muito.